Artista de estúdio e DJ de pista em igual intensidade, Zambianco tem se destacado na cena eletrônica LGBTQIA+ como um nome que mistura sofisticação sonora, sensibilidade e consistência. Seu som carrega atmosferas melódicas, tensões emocionais e batidas pulsantes que transbordam identidade. Do Brasil à Suécia, de Madri a Paris, ele vem atravessando fronteiras com sets que provocam, conectam e celebram.
Sua trajetória não foi moldada apenas nas cabines, mas também nos bastidores. Introspectivo, observador e profundamente ligado à estética, Zambianco desenvolveu um estilo próprio que integra som e imagem, emoção e conceito. Com passagens por festivais internacionais, residências emblemáticas e produções autorais que ecoam por pistas ao redor do mundo, ele demonstra que a pista de dança pode ser também um espaço de narrativa, de cura e de pertencimento.
Nesta entrevista exclusiva ao Cultura Queer e a Rádio Power Strike, Zambianco compartilha bastidores da carreira internacional, sua relação com as pistas LGBTQIA+, os desafios de manter a autenticidade diante do mercado e os gestos silenciosos que inspiram cada nova faixa.
Sua jornada na música eletrônica já dura mais de uma década, e hoje você acumula conquistas como DJ e produtor de destaque internacional. Qual foi o momento mais decisivo ou a escolha mais importante na sua carreira que impulsionou essa trajetória de sucesso, levando-o dos primeiros passos em São Paulo aos grandes palcos mundiais?
Foi quando percebi que DJs nacionais e internacionais importantes estavam tocando minhas músicas e começaram a me pedir remixes das faixas deles. Esse foi o momento em que caiu a ficha de que eu não era apenas um cara fazendo música no meu quarto. Minhas produções estavam realmente circulando pelo mundo e conectando pessoas na pista. Foi aí que entendi que precisava levar isso a sério e me dedicar de verdade para transformar minha paixão em carreira.
Atualmente, não sou residente de nenhum clube nacional, mas tenho datas agendadas na High Club e sigo tocando em diversas festas e eventos pelo Brasil e pelo mundo. Ser residente, seja no passado na The Week ou agora na Xcape, sempre foi um grande aprendizado. Cada pista tem sua energia e suas particularidades, e entender isso é essencial.
No Brasil, a conexão é muito intensa. O público se entrega de forma visceral. Já na Suécia, a resposta acontece de outro jeito: às vezes mais contida no começo, mas quando se soltam, a vibe é incrível. Essa experiência de transitar entre cenários tão diferentes me fez evoluir muito, principalmente na leitura de pista e na versatilidade musical. Hoje, me sinto mais preparado para entregar sets que façam sentido em qualquer parte do mundo.
Além de comandar as pick-ups, o trabalho em estúdio é uma parte essencial da minha identidade como artista. Produzir minhas próprias faixas e remixes me permite contar histórias e explorar sonoridades que muitas vezes se refletem diretamente nas minhas apresentações ao vivo.
É uma troca constante. O que crio no estúdio influencia o clima dos meus sets, e o que sinto nas pistas, a energia do público, também me inspira nas produções.
Uma produção que tem um significado especial pra mim é Master & Slave, em parceria com Las Bibas from Viscaya. Eu costumo dizer que ela foi um divisor de águas na minha carreira, tanto pela sonoridade quanto pela coragem de abordar um tema mais ousado. A curiosidade está no clipe, a música fala sobre fetiche, e eu sou uma pessoa super tímida. Foi um desafio sair da minha zona de conforto, mas também uma forma de explorar uma estética e narrativa diferentes. Essa faixa marcou um momento de transição e amadurecimento na minha trajetória.
Apresentar-me em grandes eventos internacionais como a Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Madri, o Circuit Festival em Barcelona, o festival da WE Party, além de gigs como Alegria em Nova York e Miami, Xcape na Suécia, Selva no Chile, Paris e México, tem sido uma jornada incrível.
Levar a energia brasileira para palcos tão diversos e com tanta visibilidade é sempre especial. É uma oportunidade de mostrar nossa cultura, musicalidade e a alegria que levamos para a pista.
Cada lugar tem uma maneira própria de viver a música. Em países como Portugal e Chile, por exemplo, sinto uma resposta muito parecida com a do público brasileiro: calorosa, vibrante, conectada. Já em lugares como Suécia e França, a recepção acontece de forma mais contida no início, mas sempre intensa à sua maneira. É bonito perceber como a música tem esse poder de unir, mesmo entre culturas tão distintas.
Um momento que me marcou foi ouvir uma das minhas músicas, Master & Slave, sendo tocada e recebida com entusiasmo em pistas internacionais. Ver algo que nasceu no estúdio, com tanta entrega, ganhando o mundo e causando impacto positivo é, sem dúvida, uma das maiores recompensas da minha carreira até agora.
Antes de tocar em um novo país ou cidade, faço questão de pesquisar o que o público local está ouvindo, quais artistas estão em destaque e como as tendências se comportam ali. Também gosto de conversar com DJs da cena local, entender a percepção deles sobre a pista e sobre o que realmente conecta com o público naquele contexto.
Essas trocas são valiosas e me ajudam a construir sets que respeitam a identidade de cada lugar, ao mesmo tempo em que levo a minha assinatura como artista. Essa combinação de estudo, troca e intuição é o que me permite adaptar o set à atmosfera única de cada lugar, mantendo sempre uma conexão autêntica com o público, onde quer que eu esteja.
A minha identidade musical vem da combinação entre atmosferas melódicas e um pouco dramáticas, com batidas tribais e pulsantes que mantêm a pista em movimento. Sempre fui muito conectado à emoção que a música transmite. Gosto de criar climas, construir tensões e soltar energia no momento certo. Isso aparece tanto nas minhas produções quanto nos meus sets.
Também procuro estar atento ao que está rolando no cenário atual. Escuto o que está em alta, o que está movimentando as pistas pelo mundo, e penso em como incorporar essas influências sem perder minha essência. E claro, a cultura brasileira sempre aparece, seja em percussões, grooves ou sutilezas que remetem ao nosso calor e intensidade.
Acredito que esse equilíbrio entre emoção, ritmo e atualidade é o que ajuda a criar a experiência que o público reconhece como parte do som Zambianco.
Tocar em pistas majoritariamente LGBTQIA+ é sempre uma experiência muito forte, porque esses espaços vão além da música. Representam liberdade, pertencimento e resistência. É onde as pessoas se sentem à vontade para serem quem são, sem medo de julgamento. E a música tem um papel fundamental nisso. Ela conecta, eleva, cura e une.
Uma das coisas que mais me emocionam nesses eventos é a liberdade que tenho para experimentar. Posso colocar vocais mais expressivos, músicas de outros nichos que talvez não entrassem em sets mais convencionais, e ver a pista reagir de forma intensa e verdadeira. Existe uma entrega emocional ali que é muito poderosa.
Lembro de um set em Lisboa em que me empolguei ao incluir artistas brasileiros como Anitta e Pabllo Vittar. Ver a resposta do público internacional a essas vozes tão icônicas da nossa cultura foi incrível. Era como se, por meio da música, eu estivesse levando um pedacinho do Brasil para aquele momento. São nesses instantes que percebo como a música pode unir pessoas de diferentes lugares em uma mesma vibração.
Conquistar espaço no circuito internacional como DJ brasileiro não é simples. Existem vários desafios, desde questões práticas como o idioma, até barreiras mais sutis, como entender a dinâmica de cada mercado e adaptar o estilo sem perder a identidade.
No início, um dos maiores obstáculos foi encontrar esse equilíbrio: respeitar a minha essência e, ao mesmo tempo, me conectar com públicos que têm referências muito diferentes das nossas. Também precisei desenvolver uma rede fora do país, algo que leva tempo. É preciso se fazer presente, criar relações com promotores, DJs locais, entender a cena de cada cidade e mostrar consistência no trabalho.
O idioma também foi um desafio, mas com o tempo, ganhei confiança para me comunicar e me posicionar. Um aprendizado fundamental foi perceber que, mais do que tentar agradar, é importante ser autêntico. O público sente quando você está sendo verdadeiro.
Estudei bastante, pesquisei tendências, troquei com artistas de diferentes países e usei tudo isso para aprimorar meu som, sem deixar de fora minhas raízes e o que me torna único. Essa combinação de preparação, resiliência e verdade no que faço tem sido a chave para construir meu caminho fora do Brasil.
As plataformas digitais são fundamentais na minha trajetória. O SoundCloud, por exemplo, sempre foi uma vitrine importante para mostrar meu estilo, divulgar sets exclusivos e alcançar pessoas que talvez nunca tivessem a chance de me ver ao vivo. Já as redes sociais me permitem estar mais próximo do público, compartilhar bastidores, trocar ideias e sentir, em tempo real, como minha música está chegando em diferentes lugares do mundo.
Uso essas ferramentas de forma estratégica, mas também muito autêntica. Gosto de manter uma presença que reflita quem eu sou, tanto como artista quanto como pessoa. Através delas, consigo entender o que está repercutindo, descobrir novos públicos e até testar ideias que depois levo pra pista.
Uma interação que me tocou profundamente foi a de um fã que compartilhou que estava passando por um momento de depressão e usava minhas músicas como uma forma de se animar, de buscar forças. Aquilo me marcou demais, porque me lembrou do poder real que a música tem de transformar o dia, ou até a vida, de alguém. E é isso que me motiva a continuar criando e me conectando com o mundo.
Fora dos holofotes, acho que o que muita gente não imagina é o quanto sou introspectivo e observador. Apesar de trabalhar com energia, pista, movimento, meu processo criativo tem muito silêncio e contemplação. Gosto de caminhar sozinho, ouvir trilhas sonoras, assistir filmes que mexem com a emoção, principalmente os mais intensos ou dramáticos, e observar as pessoas, os gestos, as nuances.
Esses momentos mais íntimos me ajudam a criar com profundidade. Às vezes, uma cena de um filme ou uma frase solta numa conversa viram gatilhos para uma ideia de música ou de set. Também tenho uma conexão forte com o design visual e a estética. Penso muito em como o som parece visualmente, como ele pode contar uma história além do que se ouve. Isso influencia até na forma como escolho capas, vídeos ou construo uma narrativa durante os shows.
No fundo, acho que a arte nasce de tudo aquilo que a gente sente, e nem sempre do que a gente mostra.
Minha música sempre foi uma extensão daquilo que eu vivo e acredito. Levar esse som que pulsa diversidade e celebração para diferentes partes do mundo é, pra mim, uma forma de reafirmar o valor da cultura queer, de mostrar que ela não só resiste, mas também brilha, se reinventa e emociona.
No Brasil, o público queer tem uma força única: é intenso, expressivo, afetuoso. Eles entendem cada detalhe do set e respondem com o corpo, com a alma. Fora do país, encontro diferentes formas de expressão, mas o sentimento de liberdade e pertencimento é o mesmo, e isso é muito poderoso.
O que eu espero deixar como mensagem vai além da pista. Quero que as pessoas se sintam autorizadas a existir com verdade, a se emocionarem, a dançarem sem medo. Que minha música seja um espaço onde ninguém precise se encaixar, mas sim se libertar. Se, ao ouvir um set meu, alguém se sentir mais forte, mais pertencente ou simplesmente mais vivo, então já valeu tudo.
Zambianco é mais do que um DJ. É um contador de histórias que traduz emoções em frequência, movimento e presença.
Sua música rompe distâncias e conecta públicos diversos, sempre com um olhar atento às transformações do mundo e da pista. Cada set, cada remix, cada transição revela uma escuta afiada e uma entrega verdadeira — resultado de uma jornada construída com sensibilidade, estudo e paixão.
Ao criar ambientes que acolhem e empoderam, ele mostra que a pista também pode ser espaço político, emocional e estético. Zambianco faz música que abraça, que provoca, que transforma.
E se depender dele, o futuro da cena eletrônica queer continuará sendo ousado, intenso e, acima de tudo, sincero.
Instagram: @dj_zambianco
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Spotify: Zambianco
DJ Sessions: SoundCloud – DJ Sets & Live Sessions