Nos últimos anos, o Sul do Brasil tem se destacado por uma realidade preocupante: a região é a única do país onde os projetos de lei anti-LGBTQIA+ superam os favoráveis. Desde 2019, a plataforma Observatório, criada pela Diadorim para monitoramento parlamentar, registrou um total de 41 projetos de lei (PLs) contra os direitos da comunidade LGBTQIA+ na região, em contraste com 29 projetos favoráveis. Essa disparidade levanta uma série de questões sobre os rumos da inclusão e respeito aos direitos humanos no Brasil.
Entre os estados que compõem a região Sul, Santa Catarina e Paraná se destacam com um número muito maior de propostas anti-LGBTQIA+ em relação às pró-LGBTQIA+. No Paraná, por exemplo, foram registrados 16 projetos contra e 10 a favor da comunidade LGBTQIA+, enquanto em Santa Catarina, o número é ainda mais alarmante: 17 contra e apenas 4 a favor. No entanto, o Rio Grande do Sul apresenta um cenário ligeiramente mais equilibrado, com 15 propostas favoráveis e 8 contrárias.
Os projetos de lei apresentados na região Sul visam restringir diversos aspectos da vida da comunidade LGBTQIA+, com a proposta de vetar a linguagem neutra sendo a mais comum entre as PLs anti-LGBTQIA+ (com 15 projetos nesse sentido). Outros temas frequentemente abordados incluem a restrição do uso de banheiros conforme a identidade de gênero, a proibição da presença de crianças e adolescentes em paradas do orgulho LGBTQIA+, e a limitação da atuação de atletas trans em competições esportivas.
Entre as propostas mais preocupantes, sete projetos buscam restringir o acesso ao Processo Transexualizador, dificultando o acesso de pessoas trans à transformação de seus documentos e tratamentos médicos essenciais para a afirmação de sua identidade de gênero. Atualmente, dos 41 PLs anti-LGBTQIA+, 9 já foram arquivados, mas os outros seguem em tramitação, o que continua a gerar preocupação e mobilização de defensores dos direitos humanos.
Embora o cenário predominante na região Sul seja de propostas anti-LGBTQIA+, também existem iniciativas legislativas que buscam garantir a proteção e promoção dos direitos da comunidade. Em um cenário marcado por resistências, destacam-se as proposições que tratam de temas como combate à discriminação, políticas afirmativas, e o uso do nome social.
Entre os PLs favoráveis, alguns projetos buscam estabelecer o Dia Marielle Franco, uma data de enfrentamento à violência política contra mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas. Além disso, a deputada Luciana Genro (PSOL) conseguiu aprovar dois projetos relevantes: um sobre combate à discriminação nos estádios e outro que institui novas datas comemorativas no Calendário Oficial de Eventos do Rio Grande do Sul.
No total, foram aprovados 4 PLs favoráveis, com destaque para iniciativas de combate à violência política e de enfrentamento ao racismo e à homofobia no ambiente esportivo e social.
O contraste entre o Sul e outras regiões do Brasil é nítido. No Sudeste, por exemplo, os projetos de lei favoráveis à comunidade LGBTQIA+ superam amplamente os anti-LGBTQIA+. São Paulo e Rio de Janeiro concentram a maior parte das propostas, com 167 PLs favoráveis e 110 contra. O Nordeste, liderado por Pernambuco e Bahia, também apresenta um panorama favorável, embora Pernambuco tenha se destacado por um número considerável de projetos anti-LGBTQIA+, o que exige uma atenção redobrada.
Na região Centro-Oeste, o cenário é mais equilibrado, com 51 PLs favoráveis e 45 contra. No Norte, estados como Pará e Amazonas lideram com um número expressivo de propostas favoráveis à comunidade.
A situação do Sul do Brasil coloca em evidência a necessidade urgente de mobilização da sociedade civil e das organizações de direitos humanos para garantir que os direitos da comunidade LGBTQIA+ não sejam suprimidos. Embora o Brasil tenha avançado nos últimos anos em termos de direitos civis para a população LGBTQIA+, a resistência legislativa em algumas regiões ainda representa uma ameaça significativa para a igualdade e inclusão.
O Observatório registrou até outubro de 2024 um total de 1.012 projetos de lei relacionados à população LGBTQIA+ em todo o Brasil, dos quais 575 são favoráveis e 437 são contra, uma diferença de 32%. Isso demonstra que, embora a resistência exista, a luta pela igualdade e direitos humanos está longe de ser vencida.
O número crescente de projetos de lei anti-LGBTQIA+ no Sul do Brasil, especialmente em estados como Santa Catarina e Paraná, exige uma reflexão crítica sobre os rumos da inclusão e da proteção dos direitos humanos no país. A sociedade civil e os movimentos sociais precisam continuar vigilantes, lutando contra qualquer retrocesso e buscando avançar na construção de um Brasil mais inclusivo, onde a diversidade seja respeitada e valorizada.