Pioneira, visionária e irreverente, Las Bibas From Vizcaya marcou a história da música eletrônica no Brasil e no mundo. Reconhecida como a primeira drag DJ do Brasil e a segunda do mundo, sua trajetória atravessa décadas, influenciando gerações com seu som marcante, que mescla house, eletrônica e tribal, além de sua personalidade única e performances icônicas.
Com um repertório que transborda cultura queer, Las Bibas incorpora discursos políticos, referências à comunidade LGBTQIA+ e uma sonoridade autêntica que resiste às tendências passageiras. Além de DJ e produtora musical, ela também é uma criadora transmídia, explorando diferentes formatos, como podcasts e dublagens, para ampliar sua conexão com o público.
Nesta entrevista exclusiva para o Cultura Queer e a Rádio Power Strike, Las Bibas compartilha suas influências, desafios, conquistas e visão sobre o futuro da cena eletrônica LGBTQIA+. Prepare-se para conhecer de perto a história de uma artista que não apenas faz música, mas também revoluciona e resiste.
Você tem mais de 35 anos de carreira, sendo reconhecida como a primeira drag DJ do Brasil. Quais foram as influências musicais mais marcantes que moldaram o seu estilo – do house ao tribal – e o que a levou a abraçar essa sonoridade nas pistas?
1ª do Brasil e a segunda DJ drag do mundo. Minha influência sonora vem do final da era disco e início dos anos 80, além de todo o comecinho do pop eletrônico que nascia ali com os movimentos de synthpop, rock e new romantics. Consequentemente, também dos anos 90, com o house, acid house, EBM (não EDM), new beat belga, entre outros.
Sua trajetória inspirou muitos artistas da comunidade. Como você enxerga a importância da representatividade LGBTQIA+ na música eletrônica, especialmente ocupando o espaço como DJ drag queen num cenário ainda majoritariamente masculino?
Foi difícil furar a bolha, principalmente porque todos olhavam artistas drag como caricatas, como artistas de palco e de shows de dublagens, e não como uma DJ. Mas eu já era DJ antes de ser drag (hoje em dia, são as drags que viram DJs). Com perseverança e um olhar e ouvido apurados, tudo aconteceu aos poucos. E a prova de que algo é verdadeiro é que perdura até hoje.
Digo isso porque a profissão de DJ foi banalizada. Muitos viram DJ pelo falso glamour que a profissão aparenta, mas ao se depararem com o off da profissão (viagens constantes, abdicação da vida pessoal, pesquisas e produção musical), rapidamente somem do cenário.
Como falei antes, drags eram vistas como caricatas, artistas de palco e de shows de dublagens. Fui subestimada, sim, mas isso apenas tornou o reconhecimento ainda mais prazeroso após o plot twist de me tornar uma DJ respeitada.
Preconceito explícito nunca senti como artista, mas é óbvio que noto olhares e palavras disfarçadas de opinião. Nunca dei bola porque sempre fiz meu trabalho com amor, dedicação e qualidade… Ninguém podia falar nada mesmo! rs
Encontro muita inspiração na nossa comunidade, sobretudo na comunidade trans, pela qual tenho um carinho especial. Seja remixando jargões e memes (e alguns seguem na moda até hoje), seja incluindo discursos poderosos como os de Crystal LaBeija, Octavia St. Laurent e um depoimento lindo em vídeo da Venus Xtravaganza, que transformei em música.
Talvez os brasileiros (por conta do inglês) não tenham percebido o quanto essas músicas, na verdade, carregam falas empoderadas e políticas que precisam ser repassadas às novas gerações da nossa comunidade – uma comunidade que carece de memória histórica. Também remixei falas da nossa deputada Erika Hilton, com a aprovação da própria.
Sem falar que tenho o privilégio de ter meu hino autoral: DIVADRAG, com uma letra tão pessoal sobre minha vivência como artista drag e LGBTQIA+ no cenário da noite.
Conhecida por sets enérgicos mesclando house, eletrônica e tribal, como você vê a evolução da cena tribal house no Brasil? O que torna esse gênero tão especial para o público LGBTQIA+ e como você procura inovar dentro dele para manter sua performance atual e vibrante?
Tribal House é uma definição do público LGBTQIA+ brasileiro que se espalhou para a comunidade internacional. Esse gênero nem mesmo figura como subgênero nos portais de música para DJs, como o Beatport, por exemplo.
Até antes da pandemia, o chamado “Tribal House” já vinha sofrendo uma decadência na qualidade e nas produções. Porém, o tiro de misericórdia veio com a pandemia: as festas clandestinas, os novos DJs que viram nessas festas uma oportunidade de aparecer, e o público que, por dois anos, só ouviu e consumiu o que esses DJs levavam para as pistas. Não que todos fossem amadores, mas a qualidade dessas festas e dos profissionais foi como uma pá de cal em algo que já estava fragilizado.
No pós-pandemia, essa sequela se manteve na cena até hoje, aliada ao fato de que essa nova geração de frequentadores de festas e boates nasceu na era do streaming e do TikTok – uma geração com paciência zero para qualquer coisa que tenha mais de dois minutos. São extremamente pop e focados no presente. Eles não querem saber do passado, tudo que é antigo é taxado de “etário” e desnecessário para eles. Mas, ironicamente, quando uma Kate Bush, por exemplo, volta a emplacar uma música viralizada por causa de uma série, eles acabam consumindo.
Acho que a cena Tribal precisa de produtores de eventos sérios, comprometidos com a qualidade e não apenas com os lucros. Hoje, a cena gay é vista como cafona pelos héteros, os mesmos que, nos anos 70, 80 e 90, tinham que ir para clubes gays para ouvir boa música. E agora, os gays mais antenados e exigentes com qualidade estão frequentando festas e clubes héteros… Uma total inversão de cenário.
Eu tento manter minha identidade, minha qualidade e, claro, seguir as novas tendências para continuar relevante na cena, mesmo indo contra alguns modismos atuais. Há meses venho fazendo um trabalho no Club High, onde abro a pista (o que chamamos de warm-up) e sigo fazendo um long set de 4 a 5 horas. Acho que, nesse horário, o público está mais fresh e mais aberto a ouvir novidades, pois chegam animados na balada e menos “high”. Assim, dou uma “limpada” nos ouvidos das gays. Kkkkkkkk. Porque, depois das 3 da manhã, elas só querem ouvir o de sempre – e, quanto mais pancada, melhor para elas e para a colocação delas. Kkkkkk.
Suas apresentações vão além do som – são verdadeiros shows performáticos com figurinos e uma persona extravagante. De onde vem essa energia cênica e como essa teatralidade influencia a conexão com o público durante os seus sets?
Como artista drag, eu já tenho a função de construir uma imagem forte. Minha persona Las Bibas é um alter ego sem papas na língua (bem diferente do criador). Acho que essa imagem por si só já traz toda a energia cênica e teatralidade.
Lá em 2017, na extinta The Week, eu fazia entradas apoteóticas, mesclando vídeos-backdrops no telão e bailarinos. Foi daí que se espalhou para outros DJs a tendência de fazer as atuais “aberturas”, que estão cada vez mais coreografadas. A entrada do DJ (um artista que toca música mecânica) virou um evento à parte.
Eu gosto desse conceito desde que a qualidade musical apresentada siga o mesmo nível da intro mirabolante – o que, em 90% dos casos, não acontece. Quando percebi que esse movimento cresceu na cena, parei de fazê-lo e voltei a ser uma “simples DJ camponesa” tocando atrás da cabine. Porque, para mim, a música é o mais importante que eu tenho para entregar.
Passei a focar em intros musicalmente mais elaboradas e em deixar meu recado no formato sonoro, e não apenas visual. Isso não quer dizer que eu não possa fazer algo especial, como fiz em Bangkok em 2023, na White Party, ao som de Lady Gaga com uma intro coreografada. Mas, no geral, prefiro focar na música – porque é através dela que minha conexão com o público se torna verdadeira e real.
Além das cabines, você inovou lançando o primeiro podcast gay do Brasil e até a primeira dublagem gay no YouTube. Como essas iniciativas transmídia complementam seu trabalho como DJ e produtora? Elas também servem como extensão da sua arte para alcançar novas audiências?
Essas brincadeiras vêm do meu espírito de artista transmídia e inquieta.
Não sou comediante, mas tenho uma veia ácida, cômica e sarcástica muito forte, e sinto que preciso soltá-la. Encontrei nos podcasts e nas dublagens um canal perfeito para fortalecer minha conexão com o público, e essa conexão acaba ajudando a promover minha música de maneira inconsciente.
Com dezenas de lançamentos oficiais e colaborações com vocalistas talentosos, como essas parcerias influenciam sua identidade sonora? Há algum remix ou colaboração em particular que foi transformadora para sua carreira ou que tenha um significado especial para você?
Sim, claro. Uma parceria é algo dividido entre você e o parceiro, e não tem como não ser influenciado. Como Las Bibas From Vizcaya, eu diria que meus remixes oficiais para Ava Max e Pabllo Vittar me levaram a ser conhecida por um público mais pop e pelas novas gerações que não consomem “tribal” ou frequentam os clubes gays tradicionais.
Seu nome já apareceu em revistas internacionais, como a Time Out, e seu canal no YouTube já ultrapassou 12 milhões de visualizações. Que legado você espera deixar para as futuras gerações de DJs e artistas LGBTQIA+? Há novos projetos ou experimentações musicais no horizonte que possamos ansiosamente esperar?
Este ano, meu canal no YouTube completou 19 anos (meu Deus!) e mais de 12 milhões de views – sem jabá, sem ser uma artista pop ou da mídia televisiva. Eu já sou carinhosamente chamada de “Mama” pelas novas gerações de DJs drags, e fico muito grata por elas reconhecerem que eu cortei o mato para que elas pudessem desfilar hoje.
Este ano deve sair o documentário “Um Beijo Me Liga”, sobre a minha trajetória como Las Bibas From Vizcaya (um projeto que já está há mais de três anos em produção), dirigido por Rian Córdoba e Leonardo Meneses. Eles já dirigiram documentários como Lorna Washington: Sobrevivendo a Supostas Perdas, Luana Muniz – Filha da Lua e TENHO FÉ – todos retratando figuras e temas LGBTQIA+ relevantes para a nossa comunidade.
Musicalmente, Las Bibas From Vizcaya segue ativíssima, e só em 2025 já lançou três singles. E, como se não bastasse, nasceu também um projeto alternativo, mais underground, chamado apenas “Las Bibas” (@lasbibasbr), onde exploro indie music, eletrônica e house – vertentes que sempre estiveram na minha identidade, mas agora com outro foco e para um público diferente.
Tendo passado por clubes icônicos como a The Week e grandes eventos do orgulho pelo país, como você percebe a mudança na cena das festas LGBTQIA+ ao longo dos anos? Você sente que seu trabalho ajudou a tornar esses espaços mais inclusivos e cheios de orgulho queer?
Fui residente do maior ex-clube do Brasil (The Week), e hoje sou a primeira e única brasileira residente do maior selo de festas LGBTQIA+ do mundo – o Matinée/Circuit Festival da Espanha. Isso me faz insistir em manter a essência clubber do meu som e da minha pista de dança. Não me rendo ao “pastelão”, porque seria muito mais fácil tocar “mais do mesmo” e ir para casa.
Como drag DJ, eu tocava para as “gays padrão” (as musculosas), e hoje consigo agregar vários tipos de gays na minha pista. E eu acho que é sobre isso: incluir e se conectar pela música – não pelo marketing, não pela imagem, mas pela música.
Para a audiência internacional LGBTQIA+ da Rádio Power Strike, que se conecta às suas batidas e performances mesmo a quilômetros de distância: qual é a mensagem central que você deseja transmitir através da sua música? Como a energia de Las Bibas From Vizcaya conecta e celebra comunidades queer ao redor do mundo?
Escutem meus trabalhos menos óbvios. Quanto menos plays eles têm, mais sérios e densos eles são – e geralmente ficam segmentados para meus fãs mais kamikazes.
Escutem a história por trás do single “PS: NYC IS VERY HOT” e saibam mais sobre o documentário que inspirou essa música. Conheçam Crystal LaBeija, Octavia St. Laurent (porque para entender a Erika Hilton de hoje, é preciso visitar o passado, meus amores!).
E até mesmo trabalhos quase cômicos, como a “bíblia trans dos memes” “EUROPA EM PESO – TODAS AS TRANS FINÍSSIMAS”, podem parecer divertidos à primeira vista. Mas, na sequência das músicas, eles contam uma história triste também, de muita luta das nossas sisters. No final do álbum, há um áudio quase escondido que fecha essa narrativa.
Las Bibas From Vizcaya é muito mais do que uma DJ – é um ícone da cena eletrônica LGBTQIA+, uma artista que construiu seu espaço com autenticidade e resistência. Sua trajetória mostra que é possível quebrar barreiras, inovar e continuar relevante mesmo em um mercado que está sempre mudando.
Seja através da música, de suas performances ou de sua presença online, Las Bibas continua impactando e inspirando a comunidade queer ao redor do mundo. Seu legado já está marcado na história da cultura clubber, e seu futuro segue brilhando como as luzes das pistas que ela domina com maestria.
Site Oficial: https://www.lasbibas.com/
Instagram: @lasbibasmusic
Facebook: Las Bibas From Vizcaya
YouTube: Las Bibas
Spotify: Las Bibas From Vizcaya
DJ Sessions: SoundCloud – DJ Sets & Live Sessions
Dj Morais
Sou suspeito para falar, é minha amiga de anos e trabalhamos muito juntos na The Week. Lasbibas é referência. Te amo mana.
Eduardo Silva
Ela é incrível!👏🏼👏🏼👏🏼